Tema Repetitivo 929 do STJ: o consumidor deve provar má-fé para obter a devolução em dobro de valores cobrados indevidamente?
Publicado em 19/12/2024
Precedente qualificado do tribunal alerta empresas sobre adoção medidas preventivas contra erros que possam gerar prejuízos financeiros e litígios
Cobranças indevidas ocorrem por uma variedade de motivos, como erros operacionais, falhas sistêmicas ou problemas administrativos. Diante dessas situações, a empresa pode ser obrigada a restituir o consumidor em dobro do valor pago. Por ter sido uma controvérsia recorrente no cenário jurídico, um ponto sobre disputas nas relações de consumo dessa natureza ainda gera dúvidas para as organizações: para essa restituição em dobro acontecer é necessário ou não que o cliente comprove que houve má-fé por parte de quem presta o serviço?
Ao longo dos anos, a polêmica resultou em interpretações distintas. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) prevê que apenas em situações de “engano justificável” as empresas são isentas da obrigação de devolver em dobro o valor cobrado indevidamente. Ou seja, mesmo quando as organizações não tiveram a intenção de prejudicar, se houver culpa por parte do prestador de serviço, a restituição em dobro já seria devida. Ao analisar recursos de litígios sobre esse tema, relacionados ao direito público, a Primeira Seção do STJ, seguia essa compreensão.
Mas, pela lógica consolidada no Código Civil, a prova de má-fé seria indispensável nesses casos. Esse era o entendimento da Segunda Seção do STJ ao analisar questões de direito privado. De acordo com esse posicionamento, respaldado por julgamentos repetitivos do STJ e pela Súmula 159 do Supremo Tribunal Federal, a simples culpa não é o suficiente para justificar a devolução em dobro.
Precedente para a polêmica
Diante da divergência entre as Seções do STJ, foi formado um precedente qualificado (EAREsp 676.608/RS), em outubro de 2020, no qual a Corte Especial determinou que a devolução em dobro deve ocorrer sempre que a cobrança indevida violar o princípio da boa-fé objetiva.
Como explica a advogada Letícia Martins de França, integrante do Departamento Contencioso da Andersen Ballão Advocacia, esse posicionamento do tribunal indica que o consumidor não precisaria provar que o fornecedor agiu de má-fé. “Se a cobrança estiver em desacordo com os padrões de lealdade, transparência e colaboração exigidos em todas as relações de consumo, já é o suficiente”, afirma.
Em 2021, a Corte Especial do STJ afetou um recurso especial (REsp 1.963.770/CE) ao rito dos recursos repetitivos – art. 1.036 do CPC/2015 – como representativo do Tema 929/STJ, que justamente visa discutir às hipóteses de aplicação da repetição em dobro prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC. O objetivo é uniformizar o entendimento sobre a comprovação de má-fé ser ou não prescindível e vincular processos que aguardam soluções em tribunais de instâncias inferiores ao entendimento do STJ.
Como esclarece a advogada Letícia: “O Tema 929 do STJ ainda não foi firmado, mas a tendência é que se siga os precedentes existentes, a exemplo do paradigma citado, fixando como tese vinculante que a repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, será cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, devendo ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo, da prova da má-fé.”
Medidas preventivas
A dispensa da comprovação de má-fé significa que falhas administrativas podem ser consideradas suficientes para gerar condenações. Diante do entendimento do STJ, é importante que empresas adotem medidas preventivas para evitar cobranças indevidas, alerta Letícia. Essa precaução permite mitigar riscos de perdas financeiras com restituições em dobros para múltiplos consumidores e evita o aumento de litígios”, explica.
Algumas ações práticas incluem a revisão de processos internos para assegurar que sistemas de cobrança e atendimento ao cliente estejam funcionando corretamente. Outras estratégias que podem contribuir, são os treinamentos de equipe para conscientização sobre exigências legais, evitando judicialização, além da realização de auditorias regulares para identificar e corrigir vulnerabilidades.
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