Memes: a quem pertence o direito autoral?
Publicado em 07/01/2020
Mesmo espontâneos, eles devem seguir algumas regras, analisa advogada
Após a aprovação pelo Parlamento Europeu, em setembro, da nova Diretiva de Direitos Autorais, novas regras jurídicas aplicáveis dentro da União Europeia devem ter reflexo entre usuários da internet do mundo todo. Uma das questões mais debatidas tem sido a maior dificuldade imposta ao upload de arquivos com vistas a proteger a propriedade intelectual de imagens, o que poderia impedir a difusão dos populares “memes”.
Com relação à legislação brasileira, a coordenadora do Departamento de Assuntos Culturais e Terceiro Setor da Andersen Ballão Advocacia, Marcella Souza, explica que os memes são objeto da atividade intelectual de seus criadores, como expressão de seu direito de personalidade. “A Lei de Direitos Autorais prevê que as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro são obras intelectuais protegidas”, ela enumera. “A lei traz ainda um amplo rol exemplificativo, no qual podem se enquadrar, em tese, os memes”, defende.
O foco da discussão está na proteção das obras, imagens e frases de terceiros que ilustram um meme. Essa utilização, caso realizada sem a devida autorização e em desacordo com a lei, pode ser objeto de reivindicação de direitos e gerar um prejuízo de ordem jurídica, já que a respectiva reprodução é alvo de proteção específica na legislação da maioria dos países. “Uma vez utilizadas obras, imagens e frases de terceiros, o meme caracteriza-se como uma obra derivada, ou seja, uma nova criação intelectual que transforma a originária, restando identificar se essa nova obra viola ou não os direitos dos titulares originais”, complementa.
De acordo com a Lei de Direitos Autorais, é necessária a autorização dos titulares. Entretanto, existem limitações aos direitos autorais, em situações nas quais não se considera ofensiva aos direitos de autor. “A lei prevê a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos preexistentes, de qualquer natureza, ou até da obra integral, no caso das artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da criação e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida, nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores. Nesses casos, não se considera ofensa ao direito do autor”, expõe Marcella.
Se considerarmos essa previsão do ponto de vista da criação de memes, a depender do caso, não há violação de direitos de terceiro. Outra importante disposição da mesma lei reside nas obras situadas permanentemente em logradouros públicos, podendo ser representadas livremente – sem autorização específica do autor. O meme que faz referência a algum objeto dessa natureza, portanto, também não fere direitos autorais de terceiros.
O principal ponto a se considerar é a utilização de memes para fins publicitários, com uso comercial. De acordo com a especialista, a partir do momento em que a utilização seja realizada por uma empresa ou marca para promover um produto ou serviço, de qualquer natureza, observa-se um desvirtuamento da essência original daquele meme, que passa a ser um anúncio e não mais um elemento de memória coletiva, e, como tal, prescinde de autorização do detentor dos direitos da imagem utilizada.
O que será levado em consideração, para qualquer caso levado ao judiciário, é o grau de descrédito que determinada utilização pode gerar para a obra ou imagem em questão. No caso dos memes, se eles ofendem ou não a obra ou imagem vinculada. Isso porque o direito de imagem é protegido pela Constituição Federal como direito fundamental, podendo o seu titular buscar as medidas cabíveis para fazer cessar a sua lesão ou ameaça de lesão, caso a sua utilização atinja a honra, boa fama, respeitabilidade, ou, ainda, se destinada para fins comerciais ou publicitários, sem prejuízo de obter ainda o ressarcimento/indenização pelos danos causados.
Porém, tal questão pode ser relativizada quando referente a pessoa pública, de acordo com entendimentos recentes do judiciário, que possui a missão de proteger os direitos de personalidade, mas também a liberdade de expressão em benefício da coletividade, sendo necessário equilibrar os possíveis reflexos negativos eventualmente causados em detrimento do interesse comum, analisando cada caso concreto.
Em linhas gerais, quando não há autorização expressa de uma pessoa pública para utilização de sua imagem, será preciso colocar na balança se aquilo faz parte da exposição a que ela se submete ou se realmente lhe causou um constrangimento e ofensa à sua imagem. “O que vemos acontecer hoje é que, dependendo do conteúdo, as próprias pessoas públicas curtem e compartilham seus memes, mesmo sem ter dado autorização prévia. São os casos de utilização do meme somente como instrumento de humor e que não ferem a honra, e tampouco possuem caráter publicitário, somente o intuito de autopropagação”, analisa a advogada.
Casos concretos
Em 2015, o cantor Chico Buarque processou o Teresina Shopping por uso indevido de imagem após a divulgação de um anúncio que fazia uma montagem com a capa de seu primeiro álbum. A imagem dupla, em que Chico aparece sério e, depois, alegre, é utilizada frequentemente nas redes sociais nos mais variados memes, estando disponível até mesmo em sites específicos para a criação deles. No caso do shopping, foi atribuído caráter comercial para o famoso meme sem pedir a autorização do cantor, o que motivou, com razão, a solicitação judicial para interrupção do uso, bem como ressarcimento pela utilização de sua imagem.
Portanto, qualquer reprodução de conteúdo protegido como propriedade intelectual deve ser realizada com prudência e cautela, pois pode acarretar prejuízos de ordem jurídica e patrimonial.
Saiba mais sobre o termo
O termo “meme” foi adaptado da obra do biólogo evolutivo Richard Dawkins, que criou o termo em 1976 como “um elemento de uma cultura ou de um sistema de comportamento passado de um indivíduo para outro por imitação ou outros meios não genéticos”. Na obra do britânico, referia-se a unidades mínimas de informação que se multiplicam formando a memória coletiva.
Após mais de quatro décadas expandindo-se nos circuitos sociológicos, a ideia de meme encontrou morada perfeita na internet e suas redes sociais. Entretanto, é preciso atentar-se aos diversos aspectos jurídicos que envolvem a sua criação e disseminação, de modo que não sejam violados direitos de terceiros, considerando ainda que muitas vezes não se sabe a autoria e origem dos conteúdos.
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