Os Desafios do Split Payment na Reforma Tributária - Andersen Ballão Advocacia

Artigos e Publicações

Mariana Vale Darwich Apgáua Victoria Rypl

Os Desafios do Split Payment na Reforma Tributária

Publicado em 10/03/2025

Autor:

Mariana Vale Darwich Apgáua | Victoria Rypl |

A reforma tributária traz inovações significativas no modelo de arrecadação de tributos, entre elas a implementação do mecanismo de split payment. Esse sistema estabelece a separação e o recolhimento automático dos tributos no momento da liquidação financeira das transações comerciais, de modo que o contribuinte venha a receber somente o valor líquido da operação/prestação.

Embora a proposta tenha o potencial de aumentar a eficiência na arrecadação e reduzir a inadimplência fiscal, sua implementação envolve desafios complexos que precisam ser analisados com cautela.

O artigo 31 da nova Lei Complementar (LC) n.º 214/2025 prevê que os prestadores de serviços de pagamento eletrônico e as instituições operadoras de sistemas de pagamentos, nas transações de pagamento relativas a operações com bens ou com serviços, deverão segregar e recolher ao Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e à Receita Federal, no momento da liquidação financeira da transação (split payment), os valores do IBS e da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS).

Dessa forma, no momento em que o adquirente realizar um pagamento, os impostos serão automaticamente descontados e direcionados ao Comitê Gestor do IBS e a Receita Federal.

Nas operações com pagamento parcelado pelo fornecedor, a segregação e o recolhimento do IBS e da CBS deverão ser efetuados, de forma proporcional, na liquidação financeira de cada uma das parcelas.

Apesar da imposição de segregação dos valores pelos prestadores de serviços de pagamento eletrônico e as instituições operadoras de sistemas de pagamentos, estes não serão responsáveis tributários pelo IBS e pela CBS incidentes sobre as operações com bens e com serviços cujos pagamentos eles liquidem.

A legislação ainda é omissa sobre alguns pontos e estabelece que atos conjuntos do Comitê Gestor do IBS e da Receita Federal disciplinarão o tema, inclusive no que se refere às atribuições dos prestadores de serviços de pagamento eletrônico e das instituições operadoras de sistemas de pagamento, considerando as características de cada arranjo de pagamento e das operações com bens e serviços.

Para a efetividade do sistema, deverá haver a vinculação entre os documentos fiscais eletrônicos relativos a operações com bens ou com serviços e a transação de pagamento das respectivas operações. O fornecedor será obrigado a incluir no documento fiscal eletrônico informações que permitam a vinculação das operações com a transação de pagamento e a identificação dos valores dos débitos do IBS e da CBS incidentes sobre as operações.

Apesar dos potenciais benefícios, a implementação do split payment enfrenta desafios técnicos e operacionais que precisam ser superados para garantir seu sucesso.

O IBS e a CBS são tributos não cumulativos, sendo que o valor pago nas operações e prestações anteriores gera créditos para compensação com os tributos devido pelo fornecedor.

Um dos principais desafios do split payment será a identificação dos créditos que o fornecedor possui, para a compensação com os débitos de IBS e CBS a serem descontados quando da liquidação do pagamento.

Para tanto, a LC n.º 214/2025 prevê que, antes da disponibilização dos recursos ao fornecedor, o prestador de serviço de pagamento ou a instituição operadora do sistema de pagamento deverá, com base nas informações recebidas, consultar sistema do Comitê Gestor do IBS e da RFB sobre os valores a serem segregados e recolhidos.

Quando esta consulta não puder ser efetuada, a legislação prevê que o prestador de serviços de pagamento ou a instituição operadora do sistema de pagamentos segregará e recolherá ao Comitê Gestor do IBS e à RFB o valor dos débitos do IBS e da CBS incidentes sobre as operações vinculadas à transação de pagamento, com base nas informações recebidas, para posterior ajuste.

Após, caberá ao Comitê Gestor do IBS e à Recita Federal efetuar o cálculo dos valores dos débitos do IBS e da CBS das operações vinculadas à transação de pagamento e transferir ao fornecedor, em até 3 dias úteis, os valores recebidos que excederem ao montante efetivamente devido.

A legislação também prevê procedimento simplificado do split payment para todas as operações, cujo adquirente não seja contribuinte do IBS e da CBS no regime regular. Este procedimento simplificado poderá ser adotado para todas as operações enquanto o procedimento padrão não estiver em funcionamento em nível adequado para os principais instrumentos de pagamento eletrônico utilizados nas operações.

No procedimento simplificado, os valores do IBS e da CBS a serem segregados e recolhidos pelo prestador de serviço de pagamento ou pela instituição operadora do sistema de pagamentos serão calculados com base em percentual preestabelecido do valor das operações. Este percentual preestabelecido:

 

  1. será determinado pelo Comitê Gestor do IBS e pela RFB, vedada a aplicação de procedimento simplificado para apenas um dos tributos;
  2. poderá ser diferenciado por setor econômico ou por contribuinte, a partir de cálculos baseados em metodologia uniforme previamente divulgada, incluindo dados da alíquota média incidente sobre as operações e do histórico de utilização de créditos;
  3. não guardará relação com o valor dos débitos do IBS e da CBS efetivamente incidentes sobre a operação.

Os valores do IBS e da CBS recolhidos por meio do procedimento simplificado serão utilizados para pagamento dos débitos não extintos do contribuinte no período de apuração, em ordem cronológica do documento fiscal.

O Comitê Gestor do IBS e a Recita Federal efetuarão o cálculo do saldo dos débitos do IBS e da CBS das operações, após a dedução dos créditos e de outras parcelas extintas do crédito tributário. Caso haja valores recolhidos em excesso, estes deverão ser transferidos ao fornecedor em até 3 dias úteis da conclusão da apuração.

Esta previsão de agilidade e rapidez na devolução de tributos eventualmente antecipados representa um avanço significativo em comparação com o sistema atual, no qual a recuperação de valores pagos a maior é notoriamente demorada e burocrática. A automatização do processo de restituição poderá aliviar um problema crônico enfrentado pelos contribuintes brasileiros.

Um ponto crucial também a ser observado se refere à implementação do sistema. O art. 35, § 1º da LC n.º 214/2025 estabelece que “o split payment deverá entrar em funcionamento de forma simultânea, nas operações com adquirentes que não são contribuintes do IBS e da CBS no regime regular, para os principais instrumentos de pagamento eletrônico utilizados nessas operações“. Isto significa que todos os bancos, operadoras de cartões de crédito e demais meios de pagamento eletrônico deverão se preparar para iniciar a operação exatamente na mesma data, o que representa um desafio logístico e tecnológico de enorme proporção para todo o sistema financeiro nacional.

Outro aspecto relevante diz respeito à não cumulatividade no contexto da reforma tributária. De acordo com o art. 47 da LC n.º 214/2025, para que o contribuinte possa se apropriar dos créditos do IBS e da CBS, exige-se a efetiva extinção do débito destacado, não sendo suficiente apenas o destaque no documento fiscal. Entretanto, nos termos do art. 48 da mesma Lei Complementar, o requisito da extinção do débito fica dispensado no caso do split payment ou no caso do recolhimento pelo adquirente.

Essa última hipótese está prevista no art. 36, que estabelece que nos casos em que a operação for liquidada através de meio de pagamento que não permita a segregação do split payment, o próprio adquirente poderá fazer este recolhimento. Ou seja, o adquirente que apura o tributo no regime regular e que for pagar um determinado fornecedor por meio que não realize o split payment, poderá fazer ele mesmo o recolhimento da parcela que seria segregada, funcionando como uma espécie de retenção na fonte. Esta possibilidade implica na necessidade de ajustes em contratos, especialmente os de longa duração, para contemplar essas novas dinâmicas de recolhimento.

Além das dificuldades na implementação do sistema e na compensação dos créditos, outros pontos críticos devem ser considerados, como:

  1. a exigência de um alto nível de integração dos sistemas de pagamento com as plataformas fiscais governamentais, com conexão em tempo real para que os tributos sejam corretamente calculados e recolhidos antes mesmo da liberação dos valores ao fornecedor;
  2. o impacto direto no fluxo de caixa das empresas, visto que o valor dos tributos nem chegará a transitar pela conta bancária;
  3. a necessidade de adaptação por parte dos prestadores de serviços de pagamentos, que passarão a ter um papel estratégico na arrecadação tributária. Essa mudança implica desafios operacionais e pode gerar custos adicionais para adequação dos sistemas; e
  4. dificuldade operacional de executar decisões judiciais / medidas liminares que venham desobrigar o contribuinte ao recolhimento parcial ou total dos tributos.

Algumas soluções podem ser adotadas para mitigar os desafios do split payment, como a sua implementação gradual, a criação de mecanismos para mitigar os impactos financeiros sobre os pequenos e médios contribuintes e a realização de investimentos em infraestrutura tecnológica. Além disso, a ampla divulgação e treinamento sobre o funcionamento do split payment são fundamentais para minimizar resistências e problemas na sua adoção.

Ainda, com a implementação do novo sistema, é essencial que os contribuintes estejam com as obrigações acessórias em dia, a fim de evitar qualquer impedimento na restituição dos valores recolhidos em excesso.

A implementação do split payment representa um passo significativo na modernização da arrecadação tributária no Brasil, trazendo potencial para reduzir a evasão fiscal e aprimorar a eficiência na arrecadação de impostos.

No entanto, os desafios operacionais e financeiros desse modelo exigem planejamento cuidadoso e soluções pragmáticas para evitar impactos negativos sobre a economia e sobre os contribuintes.

Artigos Relacionados

Corte permanente de arbitragem no Brasil

A arbitragem, embora prevista na legislação brasileira há séculos, só ganhou tração nos últimos 25 anos. O principal entrave à sua popularização era a exigência…

Leia mais

Declaração de IR gera alerta para contribuintes com…

O início do prazo para entrega da Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física do exercício de 2025 reacende o sinal de alerta para…

Leia mais

ANPD em movimento: fiscalização em redes de farmácias…

Desde a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), muito se especulou sobre a atuação mais incisiva da Autoridade Nacional de…

Leia mais