O uso frequente de Medidas Provisórias e os problemas causados aos contribuintes
Publicado em 03/07/2024
*Amauri Melo
Desde 2023, o Governo Federal tem promovido alterações na legislação tributária sob o argumento do equilíbrio fiscal.
Inicialmente, foram anunciados programas de autorregularização e transação por adesão, tais como o Programa de Redução de Litígios Fiscais, a autorregularização do “voto de qualidade”, a autorregularização incentivada de débitos de tributos federais e a autorregularização e transação de débitos das subvenções para investimentos e contencioso de relevante e disseminada controvérsia jurídica.
Em geral, esses programas ofereceram condições favoráveis para a regularização de débitos em atraso, entre outras situações. Apesar de, na maioria dos casos, os valores pagos serem reduzidos com relação ao valor consolidado do débito tributário, o Governo se utiliza da autorregularização como uma alternativa ágil e voluntária para aumentar a arrecadação.
Por outro lado, no mesmo período, também foram editadas Medidas Provisórias em que os contribuintes foram surpreendidos com alterações repentinas em pontos sensíveis da legislação, afetando fortemente o fluxo financeiro das empresas.
Em agosto de 2023, a MP nº 1.185 – convertida na Lei nº 14.789 – alterou substancialmente o tratamento fiscal das subvenções governamentais, elevando a tributação do IRPJ e da CSLL sobre essas receitas. Há controvérsias, pois o texto legal não abordou pontos cruciais anteriormente tratados em discussões judiciais relacionadas ao Pacto Federativo e à tributação dos créditos presumidos de ICMS, temas que provavelmente continuarão a ser discutidos pelos Tribunais Superiores a despeito da vigência da nova regra.
Em dezembro de 2023, foi editada a MP nº 1.202, que tratou do fim da desoneração da folha de pagamento, da revogação do Programa Especial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE) e da limitação para compensação de créditos oriundos de decisões judiciais. A legislação impôs restrições ao uso de benefícios fiscais e estabeleceu limites temporais para o aproveitamento de créditos provenientes de decisões judiciais transitadas em julgado.
A repercussão negativa da medida, em especial no que se refere à tentativa do governo em revogar a desoneração da folha de pagamento, culminou na edição da Lei nº 14.784 com votação específica que derrubou o veto presidencial relacionado ao fim da CPRB, portanto, mantendo-se a regra que autoriza as empresas a aderirem o programa de desoneração.
A AGU, no entanto, ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal para questionar a manutenção da desoneração, e o Ministro Cristiano Zanin suspendeu liminarmente os dispositivos que prorrogavam o programa, alegando falta de medida orçamentária compensatória a esse benefício[1]. Como alternativa, o ministro concedeu prazo até 19 de julho desse ano para que Governo Federal e o Congresso encontrem alternativas à perda de arrecadação.
Logo na sequência, em junho de 2024, e a fim de atender a demanda imposta pela liminar do STF para garantir arrecadação, foi publicada a MP nº 1.227, que, em seu trecho mais polêmico, modificou a sistemática de compensação e ressarcimento de créditos do PIS e da COFINS. Nesta ocasião as empresas foram impedidas de compensar, os créditos do regime não cumulativo com outros tributos federais, a chamada “compensação cruzada”. Também foram revogados diversos dispositivos que permitiam a compensação e ressarcimento de créditos presumidos dessas contribuições. Grandes exportadores e empresas de setores anteriormente beneficiados com crédito presumido das contribuições foram fortemente afetados.
Ocorre que, o presidente do Congresso, Senador Rodrigo Pacheco, devolveu parcialmente a MP nº 1.227, rejeitando parte de seus dispositivos e reestabelecendo a possibilidade de compensação dos créditos do PIS e da COFINS com outros tributos federais.
Diante de todo esse cenário, os contribuintes se veem obrigados a adaptar-se abruptamente a uma nova realidade e, em alguns casos, quando as medidas provisórias não são convertidas em lei, devem novamente se readaptar ao cenário anterior.
Tais circunstâncias geram um cenário contraproducente e ineficiente em que a reanálise por empresários, gestores, contadores e advogados é necessária para determinar a correta interpretação e os respectivos efeitos financeiros acerca das regras aplicáveis no momento.
A política tributária deveria estabilizar e proporcionar previsibilidade ao sistema para o fomento da atividade econômica, algo que não ocorre quando as medidas provisórias alteram substancialmente as regras tributárias em um curto espaço de tempo ou quando não são convertidas em lei.
O uso frequente dessas medidas para questões de arrecadação compromete a estabilidade do sistema e não observa os princípios da legalidade, segurança jurídica e não surpresa, não sendo justificativa para a busca do equilíbrio das contas públicas e a reversão do déficit orçamentário.
*Amauri Melo é bacharel em Direito – Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC-PR (2013), pós-graduado em Direito Tributário Empresarial e Processual Tributário – Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC-PR (2015) e bacharel em Ciências Contábeis – UNINTER (2022).
[1] Tema analisado em recente artigo da minha colega Dra. Ana Clara Rodrigues (https://www.andersenballao.com.br/pt/artigos/cprb-os-desafios-e-impactos-da-contribuicao-previdenciaria-sobre-a-receita/).
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