LGPD e segurança patrimonial: cuidados com câmeras de segurança
Publicado em 02/10/2023
*Bruno Marcolini
A Lei Geral de Proteção de Dados (“LGPD” – Lei n. 13.709/2018), de 14 de agosto de 2018, introduziu a necessidade de proteção de dados pessoais, tema que anteriormente tangenciava as principais discussões de compliance corporativo. Em 2023, com a LGPD completando cinco anos de existência, os objetivos e caminhos da lei já se figuram de forma mais clara, mas ainda não completamente consolidados.
Em decorrência da vigência da lei, a busca por cumprimento ao seu conteúdo se expandiu intensamente no ambiente corporativo, com as empresas, representadas por seus encarregados de dados, mapeando os processos de negócio que envolvem dados pessoais em busca de inconformidades que podem gerar risco.
Neste cenário, é natural pensar em processos de cadastro, compra e venda ou admissão de empregados como atividades comuns para empresas em geral. Tais atividades acabam ganhando maior grau de destaque dentro de projetos de adequação à LGPD, geralmente pelo volume de titulares e dados pessoais envolvidos, além dos casos em que a própria atividade da empresa se conecta invariavelmente com aquele processo (cadastro de funcionários e empresas de recrutamento, por exemplo).
Contudo, um processo extremamente comum no cotidiano das empresas acaba sendo majoritariamente ignorado, seja por encarregados ou consultorias jurídicas. Trata-se do monitoramento de vídeo por câmeras de segurança, atividade de grande importância para vigilância dos recursos patrimoniais de qualquer instalação.
Apesar de se tratar de um recurso de monitoramento comum, pouco se discute sobre os requisitos e riscos que as câmeras trazem no âmbito da proteção de dados. Prova deste “descaso” é o fato de nenhuma normativa ou guia orientativo específico da Autoridade Nacional da Proteção de Dados (“ANPD”) ter sido emitido até o momento de elaboração deste artigo.
Cite-se o exemplo da Europa, continente que sempre promoveu legislações acerca de proteção de dados de forma pioneira, que desde 2019 possui uma legislação específica para o tratamento de dados pessoais oriundos de dispositivo de vídeo (incluindo, mas não se limitando, câmeras de segurança).
Adentrando nos riscos e requisitos da utilização de câmeras com base na LGPD, é fundamental, primeiramente, entender as modalidades de filmagem realizadas pelo equipamento. Isto porque a interpretação da lei muda quando a utilização das câmeras apresenta certos aspectos como: reconhecimento facial, monitoramento de atividades religiosas ou políticas, visualização de aspectos da vida íntima do titular etc.
O ponto central desta discussão é compreender a natureza do dado pessoal tratado pela câmera de segurança, isto é, sensível ou não. Os dados pessoais considerados sensíveis estão dispostos no art. 5°, II, da LGPD, sendo aqueles que incluem: origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural.
Por se conectar com aspectos mais privados do titular, o tratamento de dados pessoais sensíveis possui alto índice de risco discriminatório, motivo pelo qual a LGPD, em certa medida, altera as bases legais para a legitimação do tratamento. Assim, o titular pode ter sua intimidade e privacidade violadas na medida que o tratamento de seus dados pessoais sensíveis ocorrem sem sua ciência.
Ao pensarmos em imagens de câmeras, é natural que se imagine apenas que a imagem do titular seja coletada. Entretanto, a imagem pode se tornar um dado sensível de acordo com o que está sendo filmado.
Caso uma empresa se utilize de reconhecimento facial em suas câmeras de segurança para permitir, por exemplo, a entrada e saída de empregados em suas instalações, este tratamento vai pressupor dado biométrico, e, portanto, sensível.
Em outro exemplo, na hipótese de a empresa monitorar a área de trabalho em que um, ou alguns dos funcionários, utilizem itens de caráter religioso (quipá, burca, correntes etc.) ou político (camisetas de eleições ou de partidos políticos) o monitoramento exporá, ainda que sem essa exata finalidade, dados de caráter sensível. Tais situações são apenas algumas das que envolvem dados pessoais, aparentemente “comuns” e que se tornam sensíveis.
Mas qual o problema do tratamento de dados pessoais sensíveis? Como dito anteriormente, os dados pessoais sensíveis possuem alto índice discriminatório, motivo pelo qual a LGPD cria hipóteses mais específicas para a legitimação do seu tratamento. Ilustrando tal situação, o art. 11, I e II, da LGPD permite o tratamento de dados pessoais sensíveis apenas nas hipóteses de: consentimento do titular, cumprimento de obrigação legal, execução de políticas públicas pela administração pública, estudos de órgãos de pesquisa, exercício regular dos direitos, proteção da vida, tutela da saúde e prevenção à fraude.
É fundamental notar, desta forma, que o legítimo interesse não é uma hipótese plausível para utilizar câmeras nesses casos em que dados sensíveis são tratados. Em resumo, a empresa não pode simplesmente alegar “cuidado com a segurança patrimonial”, ou qualquer outra justificativa que não se respalde nas hipóteses do artigo supracitado para realizar o monitoramento.
Este cenário expõe empresas para duas modalidades de risco: (i) ficar impedida de proteger seus recursos via monitoramento de vídeo; e (ii) tratar dados sensíveis fora dos termos da LGPD, ficando sujeita a multas e questionamentos.
Expostas tais especificidades, vale ressaltar que é plenamente possível realizar monitoramento via câmeras de segurança nos termos da LGPD, desde com a tomada de cuidados prévios e específicos, conforme acima destacado.
*Bruno Marcolini é advogado no Departamento Corporativo da Andersen Ballão Advocacia. É especialista em Direito de Propriedade Intelectual, Direito Comercial e Societário e Privacidade e Proteção de Dados.
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