
Cláusula shotgun e sua eficiência para conflitos societários
Publicado em 30/01/2025
No âmbito societário, é comum que surjam divergências de opiniões ou interesses entre os sócios, muitas vezes relacionadas à capacidade financeira de cada qual. Eventuais disparidades podem tornar decisões estratégicas delicadas, como aportes de capital, escolha de fontes de financiamento, venda de ativos ou reorganização da estrutura do negócio. Além disso, questões como o falecimento de um sócio, a relação dos remanescentes com herdeiros ou representantes legais, a sucessão em vida e a admissão de novos sócios frequentemente geram discussões que exigem soluções bem planejadas. Quando essas disputas chegam ao Judiciário, podem acarretar elevados custos financeiros, longos processos e desgaste significativo para as partes envolvidas, prejudicando a continuidade e a saúde do empreendimento.
Cabe esclarecer que nem todo desentendimento cotidiano entre sócios é classificado pela doutrina como “impasse societário”. Este termo se refere a situações em que os sócios de uma sociedade entram em desacordo sobre uma diretriz fundamental da empresa, um conflito de natureza grave que não pode ser resolvido por autocomposição, pois a impossibilidade de alcançar o quórum necessário impede a aprovação de decisões essenciais para a continuidade e operação da sociedade.
Diante dessa realidade, é altamente recomendável que os sócios estabeleçam, desde o início, mecanismos para a resolução de conflitos, evitando que disputas comprometam a continuidade e a saúde da sociedade. Um dos métodos mais eficazes é a utilização de cláusulas contratuais prevendo soluções específicas para situações de impasse. A cláusula “shotgun”, também conhecida como “buy or sell” ou cláusula de opção de venda, é um exemplo de mecanismo que permite resolver conflitos de forma ágil. Embora não haja previsão legal específica no Brasil, seu uso é amplamente aceito, especialmente em sociedades anônimas e, cada vez mais, em sociedades limitadas.
As cláusulas de shotgun são mecanismos contratuais que, diante da ocorrência de um “gatilho” (como um impasse societário), estabelecem que, na relação entre os sócios de uma sociedade, uma das partes pode ofertar um valor para a participação societária da outra. A parte que recebe a oferta, por sua vez, é obrigada a escolher entre vender suas ações ou quotas ou adquirir aquelas da parte ofertante pelo mesmo valor. O teor de tais cláusulas varia conforme as condições para sua aplicação e o procedimento de oferta entre as partes. Dentre as variantes encontram-se os mecanismos “Russian roulette”, “Texas shoot-out” e “Mexican shoot-out”, adaptados às particularidades de cada sociedade.
Apesar de sua eficácia potencial na solução de conflitos entre sócios, a conveniência de uma cláusula de shotgun exige uma avaliação cautelosa em cada caso, considerando-se eventuais desigualdades entre os sócios, especialmente quando há assimetrias de poder ou recursos. As assimetrias podem ser 1) informacionais, quando nem todos os sócios têm acesso a informações que influenciam a precificação da empresa; 2) financeiras, quando os sócios não apresentam capacidade financeira similar; e 3) administrativas, quando nem todos detêm o know-how necessário para gerir a empresa. Sócios com maior acesso a crédito têm mais flexibilidade para adquirir a participação do outro, enquanto aqueles com menos recursos podem sentir-se pressionados a aceitar condições desfavoráveis. No entanto, alternativas como apoio de terceiros ou a obtenção de crédito no mercado podem minimizar essa desvantagem, permitindo que sócios com menor liquidez também se beneficiem do mecanismo. Essas condições podem aumentar o risco de abuso por parte do sócio em melhores condições, destacando a importância de uma avaliação cuidadosa dos riscos da inclusão de uma cláusula de shotgun, ou seja, de buy or sell em um acordo de sócios e de sua aplicação.
O sucesso na utilização da cláusula de shotgun depende de uma redação precisa e alinhada com o contrato social. É fundamental que o instrumento seja usado em consonância com os princípios da boa-fé e sem abuso de direito. Um abuso ocorrerá, por exemplo, se um sócio, ciente da dificuldade financeira do outro, criar intencionalmente um impasse societário para forçá-lo a sair da sociedade. Conclui-se que a cláusula é uma ferramenta valiosa para a solução de conflitos societários, desde que concebida e aplicada de maneira ética e de acordo com as circunstâncias específicas de cada caso. Sua implementação correta contribui para a continuidade das atividades empresariais, garantindo que a sociedade permaneça operante, independentemente da relação entre os sócios. No entanto, quando os sócios se encontram em situações de assimetria, a cláusula pode ter efeitos negativos, pois o sócio mais favorecido poderá, intencionalmente, gerar situações de impasse societário e estipular um preço predatório, de modo a forçar a venda da participação societária do sócio desfavorecido.
*Lorena Geiger Hauser é advogada da Andersen Ballão Advocacia e integrante do Departamento Societário
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