A controvérsia sobre a jornada de trabalho dos pais de filhos portadores do Transtorno do Espectro Autista - Andersen Ballão Advocacia

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Daniele Coutinho Slivinski

A controvérsia sobre a jornada de trabalho dos pais de filhos portadores do Transtorno do Espectro Autista

Publicado em 21/12/2023

Autor:

Daniele Coutinho Slivinski |

Em 10 de dezembro é celebrado o Dia Internacional dos Direitos Humanos, instituído nesta data em razão da celebração da Declaração Universal de Direitos Humanos, que ocorreu no ano de 1948. Dentro dessa temática, o assunto objeto deste artigo foi publicado no Informativo 278, do TST, trazendo uma decisão inédita dentro do âmbito de competência da Justiça do Trabalho, proferida pela 2ª Turma, na qual foi concedida uma tutela inibitória a uma empregada pública, determinando a redução da jornada de trabalho, sem redução do salário, em razão de ter um filho com deficiência, necessitando de cuidados permanentes e intensivos.

Porém, antes de adentrar no mérito da decisão e da aplicabilidade ou não dos seus fundamentos jurídicos aos trabalhadores em geral, é importante relembrar o contexto histórico da legislação que regulamenta os direitos da pessoa com deficiência no Brasil.

Primeiramente, é importante trazer os direitos assegurados na Constituição Federal à pessoa com deficiência, tal como a proibição da discriminação de salário e critérios de admissão (Art. 7º, XXXI); a proteção e integração social (art. 24); a reserva de vagas para empregos e cargos públicos (art. 37, VIII); atendimento educacional especializado, em rede regular preferencialmente (art. 208); a prioridade absoluta visando a proteção integral das crianças e dos adolescentes, atribuindo ao Estado a criação de programas de prevenção e atendimento especializado às pessoal com deficiência, inclusive, para treinamento para o trabalho (art. 227), dentre outros.

Já a Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Decreto 6.949/2009), ratificada pelo Brasil com status de norma supralegal (art. 5º,§3º da CF), trouxe a proteção do trabalho e da maternidade, exigindo políticas públicas de inclusão do trabalhador, bem como a devida assistência aos pais na criação dos seus filhos com deficiência.

No ordenamento jurídico interno, a Lei 8.112/90, aplicada aos servidores públicos federais da União, estabeleceu horário especial ao servidor, cujo filho tenha deficiência, quando comprovada a necessidade de assistência perante junta médica oficial, não exigindo a compensação de horário.

Interpretando o referido diploma legal, o STF definiu, através do Tema 1097, que haverá extensão dos direitos assegurados aos servidores públicos federais (Lei 8.112/90) aos servidores estaduais e municipais, inclusive, a regra da redução de jornada de trabalho.

Ademais, a Lei Berenice Piana (Lei 12.764/2012), que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtornos do Espectro Autista, equiparou-a a pessoa com deficiência para os efeitos legais. Ou seja, os direitos assegurados às pessoas com deficiência aplicam-se aos portadores do TEA. Importante esclarecer que o autismo é um transtorno de desenvolvimento que pode afetar, conforme o grau, suas capacidades físicas e mentais, demandando de cuidados especiais.

Assim, com base no direito de redução da jornada de trabalho aos pais de filhos com deficiência (Lei 8.112/90 – art. 98, § 2° e §3°), no Tema 1097 do STF e na Lei 12.764/2012, a 2ª Turma decidiu que tal direito poderia ser estendido à empregada pública que comprovou a condição especial de seu filho, em razão de ser portador de deficiência, em razão da comprovação da assistência e cuidados especiais no tratamento.

No momento presente, não há lei específica que autorize a redução de jornada de trabalho aos pais, empregados da iniciativa privada, em razão da condição especial de seu filho – (TEA), porquanto não são abrangidos pela Lei 8.112/90.

No entanto, a decisão do TST abre um precedente, que pode servir de fonte material para elaboração de leis ou normas coletivas que tragam uma proteção especial, observando tanto o viés da proteção da criança, portadora de deficiência, garantindo o trabalho e fonte de renda aos pais, que são responsáveis pela subsistência e cuidado dos seus filhos; mas também não sirvam de desestímulo a contratação de empregados nesta condição pelas empresas.

Relevante ponderar que a ausência de medidas protetivas para os pais e filhos, nesta condição, pode inviabilizar tanto o tratamento como o desenvolvimento da criança portadora do TEA, pois, em alguns casos, o resultado do tratamento depende da disponibilidade do paciente, influenciando no desenvolvimento do portador da deficiência e sua inclusão ao meio social e do trabalho, inclusive.

Ademais, dependendo do grau do autismo (leve, moderado ou severo) ou da necessidade de suporte (nível 1, 2 ou 3), o tempo de dedicação pode apresentar variações e isso poderia, inclusive, refletir na redução proporcional da jornada de trabalho do empregado. Aliás, a condição de assistência varia conforme o grau do autismo, demandando em alguns casos mais ou menos tempo de terapias e tratamentos.

Para concluir, é relevante enfatizar que, independentemente da ausência de norma que imponha essa condição, a empresa pode cumprir o seu papel social de inclusão e estabelecimento de condições que possam viabilizar o trabalho dos pais empregados que se enquadram nesta situação, garantindo, com um único ato, tanto a dignidade do trabalhador como do seu filho. Por outro lado, os entes sindicais podem negociar condições que visem tanto amparar esses empregados, viabilizando o trabalho, bem como servindo de estímulo às empresas para instituir condições especiais de trabalho nestas situações, quando devidamente comprovadas.

 

*Daniele Coutinho Slivinski é advogada do Departamento Trabalhista da Andersen Ballão Advocacia.

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