Estrutura “cash-free, debt-free” em operações de M&A – riscos e prevenções necessárias - Andersen Ballão Advocacia

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André Luiz Padilha

Estrutura “cash-free, debt-free” em operações de M&A – riscos e prevenções necessárias

Publicado em 10/04/2025

Autor:

André Luiz Padilha |

No universo das operações de Mergers and Acquisitions (“M&A”), a estrutura “Cash-Free, Debt-Free” é comumente utilizada para definição do preço de compra da empresa-alvo. Embora esse conceito seja bastante consolidado, sua aplicação exige atenção a alguns detalhes, especialmente para garantia de um nível mínimo de capital de giro e prevenção de distorções de valor e de movimentações contábeis indevidas antes da data do fechamento.

Uma transação “Cash-Free, Debt-Free” ocorre quando uma empresa é entregue sem dívidas e sem qualquer valor em caixa. Assim, os vendedores poderão, antes do fechamento retirar todos os recursos financeiros imediatos (caixa e equivalentes de caixa), desde que a empresa esteja com todas suas dívidas quitadas.

Nesse sentido, o adquirente não assume nenhum passivo imediato da empresa e, consequentemente, também não assume os valores remanescentes do caixa. Em outras palavras, implica-se dizer que o preço de aquisição é igual ao valor de mercado da empresa , chamado de Enterprise Value, que representa o valor total atribuído ao negócio, excluindo caixa e dívida líquida.

A utilização desse modelo é benéfica tanto para os adquirentes quanto para os vendedores, pois permite uma precificação precisa e transparente da empresa-alvo. Para o adquirente, essa estrutura evita surpresas relacionadas ao endividamento da empresa. Já para o vendedor, proporciona uma negociação mais objetiva, estabelecendo critérios claros para o preço final e reduzindo potenciais disputas pós-closing. Contudo, para que essa estrutura seja frutífera, é necessário que as partes tomem alguns cuidados.

Um ponto crítico em operações “Cash-Free, Debt-Free” é garantir que a empresa-alvo mantenha o nível de capital de giro suficiente para operar imediatamente após o fechamento. Sem essa salvaguarda, o adquirente pode se deparar com uma empresa descapitalizada, sem liquidez para honrar compromissos devidos a curto prazo, como folha de pagamento e fornecedores, obrigando-se a aportar recursos próprios para garantir o funcionamento da empresa nos primeiros meses após a realização do negócio.

Para mitigar esse risco, as partes podem estipular um nível mínimo de capital de giro, ajustado com base na média histórica da empresa, que deverá ser mantido na conta de caixa antes do fechamento. Caso esse valor seja inferior ao mínimo acordado, o preço de compra poderá ser ajustado para compensação.

Outro desafio relacionado a essa estrutura é evitar que, nos períodos que antecedem o fechamento, a empresa-alvo realize movimentações contábeis atípicas, para distorcer os valores de caixa e inflar o valor da transação. Algumas movimentações indevidas incluem:

  • Transferência de ativos para a conta de Caixa e Equivalentes, aumentando artificialmente o saldo que será retirado no momento do fechamento.
  • Venda de ativos da empresa antes do fechamento, para aumentar a conta de Caixa e Equivalentes.
  • Antecipação de recebíveis com fornecedores para inflar o Caixa e possibilitar a retirada antes do fechamento.

A realização dessas movimentações contábeis pode levar a distorções significativas no valuation, uma vez que parte do ativo considerado para a fixação do preço seria retirada pelos vendedores antes da consumação do negócio, acarretando perdas financeiras para o adquirente.

Considerando o potencial impacto dessas movimentações, é fundamental que o contrato estabeleça obrigações (Covenants) específicas que impeçam a realização de tais práticas e garantam a integridade do preço de compra. Algumas cláusulas recomendáveis incluem:

  • Restrições sobre movimentações financeiras entre a assinatura e o fechamento, proibindo alterações substanciais nas contas contábeis ou modificações que diferem do curso ordinário dos negócios;
  • Declarações e garantias dos vendedores comprovando que as demonstrações financeiras refletem o verdadeiro estado financeiro da empresa-alvo, e que, até a assinatura do contrato, nenhuma movimentação contábil indevida foi realizada.
  • Obrigações de reporte e auditoria para monitoramento de balancetes, declaração de fluxo de caixa e das dívidas da empresa-alvo;
  • Cláusulas de indenização específica em caso de realização de movimentações contábeis indevidas antes do fechamento.

A inserção desses mecanismos no contrato assegura maior transparência e segurança para as partes, podendo evitar disputas pós-closing e proteger o verdadeiro valor atribuído à operação.

Em conclusão, a estrutura “Cash-Free, Debt-Free” pode ser um mecanismo eficaz para assegurar que o adquirente pague um valor justo pela empresa adquirida, contudo, sua implementação requer atenção a riscos contábeis e jurídicos. A inclusão de cláusulas contratuais sólidas e mecanismos de monitoramento é fundamental para precaver distorções de preço e garantir que a transação seja conduzida de forma equilibrada e transparente.

*André Padilha é advogado do Departamento Corporativo da Andersen Ballão Advocacia.

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